A palestra a seguir foi proferida por Samuel Tissot, membro do Parti de l’égalité socialiste (PES), a seção francesa do Comitê Internacional da Quarta Internacional (CIQI), e Peter Schwarz, dirigente do Sozialistische Gleichheitspartei (SGP), a seção alemã do CIQI, na Escola Internacional de Verão do Partido Socialista da Igualdade (EUA), realizada entre 30 de julho e 4 de agosto de 2023.
Já foram publicadas em português as palestras Leon Trotsky e a luta pelo socialismo na época da guerra imperialista e da revolução socialista, de David North; Os fundamentos históricos e políticos da Quarta Internacional, de Clara Weiss e Johannes Stern; e As origens do revisionismo pablista, o racha na Quarta Internacional e a fundação do Comitê Internacional, de Joseph Kishore.
Como foi enfatizado nas discussões anteriores da escola sobre as lutas do movimento trotskista contra o pablismo, as concepções que serão revistas nesta palestra não são apenas ideias erradas em abstrato. Pelo contrário, expressaram interesses de classe muito concretos que pressionaram o movimento trotskista mundial sob condições históricas objetivas precisas.
Ao rever esse período da história do Comitê Internacional da Quarta Internacional (CIQI), no entanto, também é importante compreender os fatores subjetivos desfavoráveis que o movimento trotskista enfrentou após a reunificação sem princípios do Socialist Workers Party (SWP – Partido Socialista dos Trabalhadores) dos EUA com os pablistas em 1963.
Em meados dos anos 1960, a Socialist Labor League (SLL – Liga Socialista dos Trabalhadores) no Reino Unido e a Organização Comunista Internacionalista (OCI) na França eram as duas seções principais restantes do CIQI. Nesse período, também começaram a experimentar um crescimento nacional significativo, que não foi acompanhado de ganhos em nível internacional.
Isso levou ao desenvolvimento de pressões nacionalistas significativas. Em 1966, foi possível ao líder da SLL, Gerry Healy, conceber a revolução internacional como puramente o subproduto da derrubada bem-sucedida da burguesia britânica, escrevendo:
A SLL assume agora uma enorme responsabilidade – a de construir o partido revolucionário de massas que levará a classe trabalhadora ao poder. Ao fazê-lo, inspirará os revolucionários de todos os países a construir partidos semelhantes para fazerem o mesmo.[1]
Os acontecimentos subsequentes mostrariam que nesse período a direção da seção francesa do CIQI também tinha rejeitado a primazia do CIQI sobre as seções nacionais.
Além disso, a questão do pablismo dentro do movimento trotskista não tinha sido resolvida no racha de 1963. As pressões de classe expressadas pelo pablismo – a dominação da classe trabalhadora por agentes pequeno-burgueses do imperialismo, nomeadamente as forças políticas socialdemocratas, nacionalistas burguesas e stalinistas – ainda existiam em todos os lugares. Essas foram as forças materiais antioperárias que continuaram a pressionar o CIQI apesar de sua luta contra a reunificação com os pablistas.
Durante a década de 1960, a OCI, liderada por Pierre Lambert, recuou do seu papel anteriormente ativo na luta teórica e política contra o pablismo. Embora em 1963 tenha ficado corretamente ao lado da SLL em oposição à reunificação, não deu qualquer contribuição à luta teórica contra os pablistas durante essa crise do CIQI.
Isso contrastou com a primeira luta internacional contra o pablismo uma década antes, quando Marcel Bleibtreu, o líder do Partido Comunista Internacionalista (PCI), o antecessor da OCI, produziu os primeiros documentos se opondo a Pablo após ter sido expulso da maioria da seção francesa em 1951.
Na década de 1970, a pressão à qual a OCI acabou por capitular foi a aliança entre as burocracias socialdemocratas francesas e stalinistas, que dominavam a massa de membros da classe trabalhadora pertencentes aos sindicatos na França. Essas forças fundaram o Partido Socialista (PS), apoiado pelas grandes empresas, em 1971, que a OCI apoiou como parte de uma coligação eleitoral de “unidade da esquerda”.
Muitos dos membros da OCI assumiriam mais tarde posições de direção dentro do PS quando ele dirigiu o Estado capitalista francês. O mais significativo deles foi Lionel Jospin, que mais tarde serviria como primeiro-ministro francês. Jean Luc Mélenchon, a principal figura da pseudoesquerda francesa em 2023, também se juntou à OCI nesse período.
A situação revolucionária de 1968-1975
A degeneração centrista da OCI não foi principalmente o produto de erros políticos individuais ou de personalidades imperfeitas, mas uma consequência da falta de preparação política do partido para as lutas de massas que eclodiram durante esse período.
Depois de a Europa ter sido envolvida em lutas revolucionárias após a Segunda Guerra Mundial (1944-1953), seguiu-se um período de reação. Mas entre 1968 e 1975, uma enorme onda de lutas revolucionárias explodiu na França e em todo o mundo.
Tal como aconteceu nas lutas imediatamente após a Segunda Guerra Mundial, a burguesia só conseguiu sobreviver devido ao papel traiçoeiro dos agentes pequeno-burgueses do imperialismo na burocracia stalinista e nos partidos socialdemocratas.
Esse período viu a greve geral francesa de 1968; o movimento de massas contra a Guerra do Vietnã e o colapso da administração Nixon; o colapso das ditaduras fascistas na Grécia, Portugal e Espanha; a Primavera de Praga contra o domínio stalinista na Checoslováquia; a queda do governo do Partido Conservador de Edward Heath no Reino Unido; o movimento estudantil da Alemanha Ocidental; o Golpe em Canberra na Austrália; a sangrenta derrubada de Allende por Pinochet apoiada pelos EUA; a crise do dólar e o fim do acordo de Bretton Woods.
Nessa situação objetiva, as oportunidades para o movimento trotskista foram enormes, mas também as pressões antioperárias. Isso fez da assimilação das lições da luta contra o revisionismo (particularmente a luta contra o pablismo) a questão política central.
Um papel político criminoso anticlasse trabalhadora foi desempenhado pelos pablistas na França em maio de 1968. A Juventude Comunista Revolucionária (JCR) de Alain Krivine e o PCI pablista de Pierre Frank garantiram que o movimento radical da juventude não ameaçasse o domínio das burocracias stalinistas sobre a classe trabalhadora, que foi a questão política crítica durante essa luta revolucionária.
Ao invés disso, declararam que os estudantes eram uma nova vanguarda revolucionária e promoveram ilusões no castrismo e no maoísmo. Eles lideraram os estudantes em uma série de ações aventureiras que não ameaçaram o domínio político da Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT), controlada pelos stalinistas, ou do Partido Comunista Francês (PCF).
Nessa altura, a questão crítica que a OCI enfrentava, enquanto seção francesa do CIQI, era uma luta política intransigente para expor o papel reacionário dessas forças antioperárias e libertar os trabalhadores do domínio stalinista.
A SLL havia alertado a OCI um ano antes de maio de 1968:
Existe sempre o perigo, numa tal fase de desenvolvimento, de que um partido revolucionário responda à situação da classe trabalhadora não de uma forma revolucionária, mas através da adaptação ao nível de luta a que os trabalhadores estão restringidos pela sua própria experiência sob as velhas lideranças, ou seja, à inevitável confusão inicial. Tais revisões da luta pelo Partido independente e pelo Programa de Transição são normalmente disfarçadas com a intenção de se aproximar da classe trabalhadora, de unidade com todos os que estão em luta, não apresentando ultimatos, abandonando o dogmatismo, etc.[2]
Então, qual foi o nível de luta nesse momento? Dois fatores críticos da situação internacional criaram uma enorme pressão pequeno-burguesa sobre o CIQI. O primeiro foi o fato de as massas trabalhadoras ainda serem politicamente dominadas pelas burocracias stalinista e socialdemocrata. O segundo foi que, em toda a Europa e nos EUA, surgiu um enorme movimento juvenil de classe média orientado para a esquerda.
Isso significou que, durante esse período, o crescimento da OCI se deveu em grande parte pelo recrutamento de estudantes e jovens radicais. Isso criou uma pressão pequeno-burguesa que só poderia ter sido superada por uma luta consistente para esclarecer questões programáticas e teóricas.
Nessa época, os jovens foram fortemente influenciados pelas teorias da Escola de Frankfurt, especialmente por figuras como Hannah Arendt e Hebert Marcuse, que foram formados pelo filósofo idealista subjetivo e apoiador nazista Martin Heidegger. Na França, essas concepções foram cristalizadas no existencialismo de Jean-Paul Sartre e na desmoralização do absurdo de Albert Camus. Todas essas inúmeras teorias tinham um tema central: a rejeição da insistência marxista na classe trabalhadora como a força revolucionária essencial, decisiva e principal na sociedade contemporânea.
Muitos estudantes e jovens atraídos pelo trotskismo também foram fortemente influenciados pelo nacionalismo negro, pelo movimento de libertação das mulheres e pela política baseada no campesinato de Mao e Castro, todos os quais, de uma forma ou de outra, atribuíram o papel revolucionário não à classe trabalhadora, mas a algum outro setor da sociedade. Muitos novos membros foram recrutados sem serem educados nos princípios básicos do trotskismo, muito menos na luta contra o pablismo, particularmente nas lições de 1953 e 1963. Isso deixou a OCI vulnerável a uma rápida degeneração pelo nacionalismo e por políticas antioperárias.
Como David North explicou:
Na medida em que as implicações e lições do racha de 1963 não foram continuamente estudadas e aprofundadas, a radicalização política da classe média durante meados da década de 1960, embora essencialmente uma antecipação do movimento revolucionário do proletariado internacional, teve um efeito profundo sobre a SLL e o CIQI. A crescente pressão do radicalismo pequeno-burguês encontrou a sua expressão tanto na SLL como na Organização Comunista Internacionalista (como o PCI foi renomeado), embora em formas um tanto diferentes.[3]
Essas pressões objetivas combinadas com o isolamento do CIQI após 1963 deixaram a OCI despreparada para o seu rápido crescimento no período 1968-75. Isso levou a uma degeneração centrista, cuja primeira expressão teórica foi a negação da importância da luta do CIQI contra o pablismo.
A polêmica sobre a “reconstrução” do movimento trotskista
A tendência centrista da OCI não se desenvolveu da noite para o dia e não apareceu de repente em 1971. Os primeiros sinais do futuro repúdio explícito da OCI à luta contra o pablismo surgiram em 1965, quando Stéphane Just, um importante membro da OCI, publicou o primeiro volume de sua obra Defesa do Trotskismo.
Embora o trabalho de Just se opusesse aos argumentos dos revisionistas pablistas e apoiasse a defesa do programa trotskista pelo CIQI, admitiu que os pablistas tinham “destruído” com sucesso a QI e que era, portanto, necessário “reconstruí-la”. Ele apenas argumentou que a quantidade de membros do CIQI era a medida para saber se ele existia ou não.
Ele escreveu:
É preciso ter uma visão precisa do que é o Comitê Internacional. Seria infantil da sua parte considerar-se uma direção internacional, para o que bastaria proclamar-se como a direção da Internacional para o ser. O Comitê Internacional da Quarta Internacional não é a Quarta Internacional. Isso foi destruído pelo pablismo.[4]
A partir disso, Just defendeu a “reconstrução da Quarta Internacional” liderada pela SLL e pela OCI.
A importância política dessa posição foi que a luta contra o pablismo não deveria ter qualquer significado. As lutas da primeira parte da Terceira Fase do movimento trotskista – a Carta Aberta de 1953, a fundação da SLL em 1959, a luta contra a reunificação, a fundação do Comitê Americano para a Quarta Internacional, a traição do LSSP – foram todos colocados no lixo por Just.
Com base nisso, a luta contra o revisionismo poderia ser rejeitada e alianças políticas sem princípios com todos os tipos de agrupamentos políticos poderiam ser justificadas. Ao longo da década de 1960, a OCI, liderada pelo dirigente sindical Pierre Lambert, cultivou relações sem princípios com a Voix Ouvrière (que se tornaria a Lutte Ouvrière, ou LO) e outros grupos orientados para a burocracia sindical francesa dominada por nacionalistas e stalinistas e formavam uma parte significativa dela.
Na verdade, tendo inicialmente liderado a luta contra Pablo e Mandel no início da década de 1950, em 1967 a OCI estava negando explicitamente a importância da luta contra o pablismo, declarou que a Quarta Internacional e o Comitê Internacional estavam mortos e se opôs aos princípios do marxismo revolucionário.
A história do termo “reconstrução” é contraditória. Tal como acontece com todas as palavras, o seu significado mudou ao longo do tempo e o que viria a simbolizar não estava inicialmente claro para o movimento trotskista. A SLL também utilizou o termo nesta época, mas não com o mesmo conteúdo político antitrotskista. A concepção de “reconstrução” da SLL tinha um conteúdo político diametralmente oposto – nomeadamente, que as forças da QI só poderiam ser construídas com base na luta histórica contra o revisionismo pablista, que o CIQI liderava desde 1953.
A resolução da sétima conferência anual da SLL, adotada em 7 de junho de 1965, articulou essa orientação corretamente:
A luta bem-sucedida do CIQI contra o revisionismo e o trabalho das suas seções na construção de uma direção da classe trabalhadora fornecem a base para a reconstrução da Quarta Internacional.[5]
O Terceiro Congresso Mundial do CIQI
Em 1966, o CIQI realizou o seu Terceiro Congresso Mundial, que se reuniu em Londres. Nesse evento, a distinção de classe entre as duas noções de “reconstrução” tornou-se clara. No congresso, dois grupos políticos presentes, a Voix Ouvrière (VO – Voz Operária) da França e os Espartaquistas dos EUA, expuseram a sua hostilidade ao CIQI e à sua luta contra o pablismo.
A VO era liderada por Robert Barcia, também conhecido como Hardy, que tinha sido membro do grupo Barta, uma organização centrista que rejeitou a fundação da Quarta Internacional. Tendo relações organizacionais significativas com a OCI, foi convidada como observadora para o congresso. Sua participação se deu com base no acordo com a “reconstrução”, uma vez que isso implicava uma negação da continuidade do movimento trotskista e da importância da luta do CIQI contra o pablismo.
Os Espartaquistas, uma seção de ex-membros do SWP que estavam separados do Comitê Americano para a Quarta Internacional, também revelariam a sua hostilidade ao CIQI através da sua rejeição de uma alteração crítica à resolução do congresso e da sua conduta sem princípios no congresso.
Esses grupos só compareceram ao congresso por concordarem com um projeto inicial da resolução do congresso que se referia à “destruição” da Quarta Internacional pelos pablistas. No decorrer do congresso, os líderes da SLL reconheceram que isso representava uma concessão errônea às forças hostis à QI.
Para resolver essa questão, Michael Banda, trabalhando em colaboração com Gerry Healy, propôs a seguinte alteração à resolução:
Eliminar a frase que se refere à destruição da Quarta Internacional pelos revisionistas pablistas, e substituí-la pela seguinte: “A Quarta Internacional resistiu e derrotou com sucesso as tentativas do oportunismo pequeno-burguês, na forma de uma tendência revisionista endurecida que penetrou em todas as seções do movimento trotskista para destruí-lo política e organizacionalmente. A luta contra essa tendência foi e continua sendo a preparação necessária para a reconstrução da Internacional como uma direção proletária centralizada.”[6]
Nesse momento, a OCI votou a favor da resolução da SLL, enquanto a VO e os Espartaquistas votaram contra. Uma segunda resolução, que propunha um meio-termo entre as duas posições, foi apresentada pelo delegado húngaro (chamado Varga) com o apoio de Cliff Slaughter. Na verdade, isso foi uma concessão aos “reconstrucionistas”. A resolução de Varga tentou manter a unidade com eles, minimizando a importância do seu ataque à luta do movimento trotskista contra o pablismo. Isso também foi corretamente rejeitado pelo Congresso como uma concessão à alegação de que a QI tinha sido destruída.
Essa decisão não resolveu totalmente as diferenças entre as seções francesa e britânica nesse momento. A OCI notaria em polêmicas posteriores com a SLL que sentia que as questões levantadas por Just não foram esclarecidas no Terceiro Congresso devido à questão mais imediata de lidar com a conduta dos Espartaquistas liderados por Robertson e as posições da VO. Mais tarde, ficaria claro que o apoio da OCI à alteração da SLL foi apenas um recuo temporário, e em breve voltaria ao argumento, defendido pela VO no congresso, de que a Quarta Internacional tinha sido destruída pelo pablismo.
No entanto, o Terceiro Congresso Mundial foi um primeiro passo em frente na luta contra o revisionismo. O conteúdo das concepções revisionistas por trás da “reconstrução” tornou-se claro durante o congresso. O congresso também demonstrou que grupos como a VO e os Espartaquistas eram hostis ao trotskismo e teriam de ser ativamente combatidos para construir a direção revolucionária da classe trabalhadora.
A OCI desenvolve uma orientação centrista
Embora a OCI tenha votado a favor da alteração da resolução de 1966, em 1967 estava ficando mais claro que estava sendo fortemente influenciada por pressões pequeno-burguesas. Isso se manifestou em uma reconciliação política com as burocracias stalinista e socialdemocrata na França a fim de ampliar seu trabalho organizacional entre elas, o que era semelhante aos fundamentos sobre os quais a VO operava como uma tendência política.
Inicialmente, essa trajetória centrista foi expressa na forma de diferenças organizacionais dentro do CIQI entre a OCI e a SLL, incluindo disputas sobre o nível de ativismo político e conflitos relacionados com a organização de uma publicação conjunta. Embora as queixas sobre essas questões possam ser o resultado de um esforço saudável para a expansão do trabalho político, rapidamente ficou claro que esse não era o caso da OCI. Pelo contrário, as diferenças da OCI expressaram uma pressão centrista para dar prioridade aos ganhos organizacionais, particularmente no trabalho sindical, à custa da luta contra o revisionismo e da clarificação de questões políticas e históricas dentro do CIQI.
A OCI começou a repetir os argumentos contra o CIQI da VO, com a qual ainda mantinha relações organizacionais na condução do trabalho sindical e na produção jornalística. Segundo ela, a QI tinha sido destruída, o que tinha sido demonstrado pela composição pequeno-burguesa do CIQI. Com base nisso, a OCI argumentou que era mais importante que os quadros assumissem profissões da classe trabalhadora e se afastassem da intelectualidade do que se empenhassem numa luta política ativa contra o revisionismo. Esse argumento foi explicitamente defendido pela VO em uma reunião com a OCI em março de 1966, um mês antes do Terceiro Congresso do CIQI.
Nessa reunião, a VO declarou:
Em nossa opinião, as causas do pablismo residiam no caráter pequeno-burguês das organizações da Quarta Internacional.[7]
Em outras palavras, o pablismo não tinha surgido de pressões de classe enraizadas em acontecimentos objetivos que foram exercidos sobre o movimento trotskista após a Segunda Guerra Mundial – a relativa estabilização do capitalismo americano e europeu e a expansão da posição geopolítica da URSS stalinista. Pelo contrário, tinha surgido do resultado das qualidades pessoais da direção.
No mesmo documento que citava a declaração anterior da VO, a OCI reafirmou a alegação de Just de que o pablismo tinha destruído com sucesso o CIQI, repudiando o seu voto sobre a alteração à resolução no Congresso:
Tendo declarado a falência da direção pablista, não podemos simplesmente afirmar que a Quarta Internacional continua pura e simplesmente, com o CIQI tomando o lugar do SI [Secretariado Internacional] pablista. Não foi um pequeno acontecimento, não foi um pequeno incidente, que toda a antiga direção da Quarta Internacional tenha capitulado sob a pressão do imperialismo e do stalinismo, sem qualquer reação das principais seções.[8]
Finalmente, a OCI concluiu, apenas um ano depois de apoiar uma resolução em defesa do CIQI: “O CIQI não é a direção da Quarta Internacional.”[9]
Outras concepções revisionistas também encontraram o seu caminho na política da OCI, incluindo o ceticismo em relação ao materialismo dialético e o desprezo pelos princípios do centralismo democrático. O resultado político foi que a OCI não precisava construir um partido trotskista, baseado numa luta determinada contra o oportunismo e com um programa para a independência da classe trabalhadora. Tendo deixado de lado as lições de mais de um século de luta marxista, poderia agora iniciar relações sem princípios com a VO para obter ganhos organizacionais nos sindicatos franceses e nos grupos nacionalistas burgueses em nível internacional, como o Partido Operário Revolucionário de Guillermo Lora na Bolívia.
Ao promover essas concepções, a OCI desceu ao centrismo. Esse foi o termo usado pelo movimento trotskista para descrever o que emergiu como uma oposição “realista” à fundação da QI por Trotsky em 1938. O camarada North explicou o seu argumento central da seguinte forma:
Embora insistindo que eles [os centristas] não discordavam da avaliação de Trotsky sobre o stalinismo, os centristas argumentavam que a fundação da Quarta Internacional era uma aventura fútil. Alegavam que o movimento trotskista era demasiado pequeno e isolado para “proclamar” uma nova Internacional – aparentemente esquecendo que Lenin defendeu a formação de uma Terceira Internacional quando a sua voz foi praticamente abafada pelas proclamações chauvinistas dos dirigentes da Segunda Internacional durante os primeiros anos da Primeira Guerra Mundial.[10]
Três décadas mais tarde, uma tendência centrista mais uma vez se desenvolveu, mas desta vez a partir da seção francesa do movimento trotskista, argumentando que a QI era tão pequena que a tornava inexistente como força política independente e que, portanto, tinha de ser “reconstruída” numa base nova, isto é, não-trotskista.
Ao analisar o racha, o CIQI explicou a ligação entre a defesa da OCI da “reconstrução” e a sua virada para o centrismo nos seguintes termos:
A insistência francesa de que a Quarta Internacional tinha de ser “reconstruída” não foi apenas uma disputa terminológica. Sugeriu uma orientação política para as forças centristas sob a cobertura de um reagrupamento internacional e, assim, colocou em risco os ganhos da luta contra o revisionismo pablista. Ao fazer concessões àqueles que afirmavam que a Quarta Internacional estava “morta” e tinha de ser “reconstruída”, estava declarando, mesmo que implicitamente, que as lições das lutas passadas contra o revisionismo não tinham uma importância decisiva. Assim, conduziu diretamente ao pântano político do centrismo, onde todos podiam reunir-se independentemente dos históricos políticos das tendências que representavam.[11]
A defesa do trotskismo pela Socialist Labour League
Contra essa tendência centrista da OCI, a SLL defendeu a continuidade do movimento trotskista. Apesar das significativas fraquezas políticas da SLL nessa altura, e do seu fracasso em resolver essas questões com a seção francesa de uma forma baseada em princípios, ainda assim a SLL desempenhou o papel político crítico na defesa da continuidade do movimento trotskista. Sem essa luta, a continuidade do movimento trotskista encarnado no CIQI teria sido perdida.
Os documentos apresentados no volume 5 de Trotskism vs Revisionism (O Trotskismo contra o Revisionismo) mostram que a SLL defendeu a luta contra o pablismo e alertou a OCI sobre as terríveis consequências de repudiar essa luta, particularmente antes de um período de convulsões revolucionárias. Na seção quatro de sua resposta, intitulada The Fourth International is not dead (A Quarta Internacional não está morta), a SLL explicou:
A luta pela teoria e pela continuidade, travada e vencida pelas nossas duas seções, revelou-se a pedra de toque. Os camaradas franceses devem, portanto, parar e inverter o seu novo rumo… [No Terceiro Congresso] Os delegados da OCI votaram a favor da alteração à resolução da SLL segundo a qual a QI não tinha sido destruída. Não é possível avançar e construir partidos revolucionários exceto nessa base.[12]
A SLL se referiu especificamente a importância de subordinar todas as formas de trabalho político do partido a essa base programática:
Tendo insistido ali [no Terceiro Congresso] na continuidade da Quarta Internacional, rejeitando a fórmula “A Quarta Internacional está morta” como uma rejeição pessimista e de classe média do papel revolucionário da classe trabalhadora e da consciência revolucionária, continuamos formulando na Comissão sobre as tarefas do Comitê Internacional os princípios centrais do tipo de partido que construímos, um partido bolchevique. Salientamos que todo o trabalho sindical, o trabalho com jovens, etc. estava subordinado a essa tarefa.[13]
Nesse documento, a SLL enfatizou a importância da luta contra o pablismo:
É um grande erro ver a longa batalha contra o revisionismo pablista como uma lacuna infeliz... Pelo contrário, a luta viva contra o pablismo, e a formação de quadros e partidos com base nessa luta, foi a vida da Quarta Internacional nesses anos. Ela contém as lições mais importantes de todo esse período.[14]
A SLL advertiu que, “se os camaradas franceses não partirem conscientemente dessa luta teórica, pagarão um preço elevado”.[15]
Essas citações são a evidência mais importante para o argumento histórico central da primeira parte desta palestra: que a SLL estava correta ao insistir na luta contra o revisionismo como a “pedra de toque” do trabalho do CIQI numa situação revolucionária em desenvolvimento.
A alegação da OCI de que a existência do movimento trotskista deveria ser determinada em uma base puramente numérica era um ataque à Quarta Internacional, conforme concebida por seu fundador, Leon Trotsky. Contra a alegação de que o tamanho do quadro da QI a tornava insignificante, a SLL enfatizou que a Quarta Internacional existia apenas na medida em que defendia o programa e o patrimônio do trotskismo.
Nessa polêmica, a SLL apontou corretamente que a OCI estava se afastando da insistência do próprio Trotsky sobre isso na conclusão do Programa de Transição:
A Quarta Internacional, responderemos, não precisa ser “proclamada”. Ela existe e luta. Ela é fraca? Sim, suas fileiras não são numerosas porque ainda é jovem. Ela compõe-se, principalmente de quadros dirigentes. Mas esses quadros são a única garantia do futuro. Fora desses quadros não existe, neste planeta, uma única corrente revolucionária que realmente mereça este nome. Se a nossa Internacional ainda é fraca em número, ela é forte em doutrina, programa, tradição e no temperamento incomparável de seus quadros. [Ênfase adicionada pela SLL][16]
Ao que a SLL acrescentou:
Para Trotsky, não se tratava de esperar até que a “direção de uma seção definida da classe” tivesse sido estabelecida para que a Internacional “existisse”. Os critérios são doutrina, programa, tradição e o incomparável temperamento dos quadros.[17]
De fato, se alguém admitisse que o movimento trotskista tivesse sido destruído pelo pablismo em 1953, então qual era o seu status após 1945, depois que quase toda uma geração de revolucionários europeus pereceu nos campos de concentração? Ou quando a própria Quarta Internacional foi fundada no final da década de 1930, quando dezenas de milhares de membros da Oposição de Esquerda estavam sendo assassinados na União Soviética? Sem mencionar, é claro, o assassinato do próprio Trotsky em 1940.
Durante todos esses eventos trágicos e crimes históricos, a “doutrina, o programa, a tradição” e a ênfase na importância da “temperança dos quadros” continuaram em uma cadeia histórica ininterrupta. Negar a importância da luta bem-sucedida do CIQI contra o pablismo é o primeiro passo para a negação da importância do próprio movimento trotskista.
A continuidade do movimento trotskista em meio a uma nova onda de lutas revolucionárias
A questão política central na disputa sobre a “reconstrução” foi uma adaptação às burocracias sindicais stalinistas e socialdemocratas. Embora a OCI tenha inicialmente apoiado a posição correta no Terceiro Congresso, sua recusa em se engajar em uma luta política e teórica feroz contra as tendências pequeno-burguesas – especialmente contra a VO na França e os regimes nacionalistas burgueses internacionalmente – lançou as bases para o seu repúdio ao trotskismo no contexto de um aumento maciço das lutas revolucionárias internacionalmente.
O movimento trotskista só é capaz de lutar por uma perspectiva revolucionária com base na continuidade de seu programa, que inclui a defesa da verdade histórica e da filosofia materialista, e sua insistência de que a classe trabalhadora é a classe revolucionária dirigente e decisiva na época do imperialismo. Como David North explicou há mais de 40 anos em Trotskyism as the development of Marxism (O Trotskismo como o desenvolvimento do Marxismo),
A história do trotskismo não pode ser compreendida como uma série de episódios desconectados. Seu desenvolvimento teórico foi abstraído por seus quadros através do contínuo desdobramento da crise capitalista mundial e das lutas do proletariado internacional. Sua continuidade ininterrupta de análises políticas de todas as experiências fundamentais da luta de classes, ao longo de toda uma época histórica, constitui a enorme riqueza do trotskismo como o único desenvolvimento do marxismo após a morte de Lenin em 1924.[18]
No racha com a OCI, foi essa continuidade ininterrupta que foi defendida pela SLL.
A defesa da continuidade do movimento trotskista pela SLL em meio à degeneração da OCI no centrismo é um episódio crítico na história do nosso partido. Ela fornece lições cruciais para nossa prática política na terceira década do século XXI, quando entramos na Quinta Fase da história da QI.
Mais uma vez, estamos enfrentando um movimento de rápido crescimento e radicalização da classe trabalhadora e da juventude em todos os continentes. A guerra imperialista, a morte em massa por causa da pandemia e o declínio dos padrões de vida levaram a lutas massivas contra Macron na França e a greves envolvendo milhões de trabalhadores internacionalmente.
Como explicou uma declaração de nossos partidos europeus publicada no WSWS em 10 de fevereiro de 2023: uma situação objetivamente revolucionária tinha surgido em todo o continente. A identificação da década de 2020 como a década da revolução socialista não foi algo tirado da pura vontade subjetiva, mas o resultado de um prognóstico científico da crise avançada do imperialismo mundial contemporâneo. Nos últimos três anos, essa análise só foi reforçada um dia após o outro pela marcha dos acontecimentos.
Hoje, diferentemente do período discutido nesta palestra, as burocracias socialdemocrata e stalinista existem em uma forma muito enfraquecida ou foram destruídas pelas forças da história. No entanto, isso não significa que as pressões pequeno-burguesas para se adaptar ao nível político das lutas atuais tenham deixado de existir.
Como se viu na controvérsia sobre a “reconstrução” em meados da década de 1960, diferenças aparentemente superficiais sobre terminologia, filosofia ou história podem expressar concepções antimarxistas que são o resultado da pressão de forças de classe hostis sobre o movimento trotskista.
Todos os tipos de tendências se desenvolvem em meio a situações revolucionárias, mesmo entre a direção do partido revolucionário. Devemos entender que elas só podem ser combatidas com base em uma campanha incansável para a assimilação das lições da história do nosso movimento.
Isso significa, acima de tudo, a defesa do programa trotskista, por meio do qual nosso movimento tem lutado para libertar a classe trabalhadora da influência das forças burguesas há um século. Somente com base nisso, o partido revolucionário, o nosso partido, poderá estar à altura das tarefas históricas que lhe são impostas no século XXI e liderar a classe trabalhadora internacional em uma revolução socialista.
A degeneração centrista da OCI
A orientação centrista da OCI, que encontrou sua expressão mais nítida em sua negação da continuidade da QI e em seu repúdio à importância da luta do CIQI contra o pablismo, levou a um desastre político. Quando uma onda revolucionária de notável força explodiu na França em 1968, a OCI, em vez de liderá-la, foi arrastada por ela.
Analisando essa experiência em How the WRP betrayed Trotskyism (Como o WRP traiu o Trotskismo), o CIQI escreveu:
Sob o levante da classe trabalhadora e da juventude estudantil na França em 1968, essas vacilações centristas assumiram imensa importância no desenvolvimento político da OCI e do CIQI. A organização francesa, que há anos vinha lutando para simplesmente pagar suas contas e estabelecer uma presença no movimento operário, de repente cresceu enormemente... Entretanto, a liderança da OCI de Lambert e Just se adaptou aos elementos pequeno-burgueses, como Charles Berg, que começaram a inundar o movimento. Em pouco tempo, foi a ala direita que tomou o controle do partido.[19]
Em três anos, a OCI se transformou em um sustentáculo do governo burguês na França e em uma organização centrista apodrecida internacionalmente. Há enormes lições envolvidas aqui sobre como nosso partido deve se preparar para o período revolucionário que se aproxima.
A tempestade política que eclodiu em 1968 e levou a França à beira de uma revolução social desenvolveu-se em meio a uma reação política.
Em 1958, após uma tentativa de golpe dos oficiais franceses na Argélia, Charles de Gaulle estabeleceu a Quinta República, que concentrava o poder nas mãos do presidente. A OCI fez uma avaliação extremamente pessimista desse evento. Ela o interpretou como um golpe bonapartista e passou seu trabalho para a clandestinidade.
O regime de De Gaulle era, sem dúvida, reacionário. Mas, sob esse regime, estava ocorrendo uma rápida transformação social. Com o patrocínio do Estado, indústrias de grande porte se desenvolveram nos setores automotivo, aeronáutico, aeroespacial, de armas e de energia nuclear. Após a guerra, a França, ainda predominantemente agrícola, transformou-se em uma das principais nações industriais. Em duas décadas, dois terços dos agricultores franceses deixaram a terra e se mudaram para as cidades. Juntamente com os trabalhadores imigrantes, eles acrescentaram uma camada social jovem e militante às fileiras da classe trabalhadora, difícil de ser controlada pela burocracia sindical.
A greve geral de maio-junho de 1968 foi precedida por uma rebelião estudantil nos Estados Unidos e na Alemanha, de onde se espalhou para a França.
O movimento estudantil era dominado pelas concepções antimarxistas da Nova Esquerda. Em vez de considerar a classe trabalhadora como uma classe revolucionária, eles viam os trabalhadores como uma massa atrasada totalmente integrada à sociedade burguesa por meio do consumo e da mídia. No lugar da exploração capitalista, a Nova Esquerda enfatizava o papel da alienação em sua análise social – interpretando a alienação em um sentido estritamente psicológico ou existencialista.
A “revolução” não deveria ser liderada pela classe trabalhadora, mas sim pela intelectualidade e por grupos marginalizados da sociedade. Para a Nova Esquerda, as forças motrizes não eram as contradições de classe da sociedade capitalista, mas o “pensamento crítico” e as atividades de uma elite esclarecida. O objetivo da revolução não era mais a transformação das relações de poder e propriedade, mas mudanças sociais e culturais, como mudanças nas relações sexuais.
Os pablistas se dissolveram completamente nesse meio pequeno-burguês. Ernest Mandel declarou que os estudantes eram a nova vanguarda revolucionária. Pierre Frank, líder do PCI pablista, afirmou que os grupos pequeno-burgueses que lideravam os protestos estudantis demonstravam “um nível político muito alto em um sentido marxista revolucionário”. Na verdade, eles eram totalmente antimarxistas.
Alain Krivine, líder da pablista Juventude Comunista Revolucionária (JCR), não tinha diferenças políticas perceptíveis com o anarquista Daniel Cohn-Bendit, o maoista Alain Geismar e outros líderes estudantis que se destacaram nos eventos de 1968. Eles se reuniam lado a lado em reuniões públicas e nas batalhas de rua no Latin Quarter. A própria JCR era, como observou um historiador, “mais guevarista do que trotskista”, ou seja, mais próxima de Che Guevara do que de Trotsky.
Após um ataque brutal da polícia contra estudantes que protestavam em Paris na Universidade de Sorbonne, em 11 de maio de 1968, com centenas de feridos e presos, a classe trabalhadora interveio. Os sindicatos se sentiram obrigados a convocar uma greve geral de um dia contra a violência policial.
Eles perderam o controle imediatamente. Uma onda de ocupações se espalhou pelo país. Em todos os lugares, bandeiras vermelhas foram hasteadas e, em muitas fábricas, a gerência foi mantida refém. As ações afetaram centenas de fábricas e escritórios. Comitês de ação e de trabalhadores foram formados nas fábricas ocupadas e nas áreas vizinhas.
Uma semana depois, o país inteiro estava paralisado, atingido por uma greve geral, embora nem os sindicatos nem nenhuma outra organização tivessem convocado tal greve. Dez milhões dos 15 milhões de trabalhadores da França estavam envolvidos na ação.
De Gaulle deixou o país para se reunir com seus principais generais na Alemanha. Finalmente, a central sindical stalinista CGT salvou seu regime. Ela negociou um acordo que colocou os trabalhadores de volta ao trabalho em troca de concessões sociais maciças por parte do governo.
Os pablistas desempenharam um papel central no encobrimento da traição dos stalinistas. Eles nunca desafiaram o domínio do stalinismo sobre a classe trabalhadora e se abstiveram de qualquer iniciativa política que pudesse acirrar as relações entre a classe trabalhadora e a liderança stalinista.
Embora os stalinistas denunciassem os líderes estudantis como radicais de esquerda e provocadores, politicamente falando, eles conseguiam conviver bem com eles. As batalhas de rua de inspiração anarquista no Quartier Latin não contribuíram em nada para a educação política de trabalhadores e estudantes e nunca representaram uma ameaça séria ao Estado francês.
A greve geral na França desencadeou uma onda de lutas de classe internacionalmente que durou sete anos e se espalhou por grande parte da Europa e do mundo, incluindo o Reino Unido, a Alemanha e a Checoslováquia sob o domínio stalinista. Na Espanha e em Portugal, as ditaduras fascistas foram derrubadas.
Ao contrário dos pablistas, a OCI não se dissolveu no movimento estudantil. Ela trabalhava e recrutava nas universidades. A ênfase de seu trabalho político, no entanto, era voltada para a classe trabalhadora e as fábricas.
Mas seu repúdio à continuidade da Quarta Internacional a desarmou diante das pressões pequeno-burguesas. A OCI estava atraindo muitas forças novas, principalmente jovens e estudantes. Mas não as educou com base na luta contra o pablismo, recrutando-as com base em uma tática centrista ambígua.
A próprio OCI resumiu sua linha política durante a greve da seguinte forma:
A estratégia e a tática do proletariado na luta pelo poder ... consistiam na luta pela frente única de classe dos trabalhadores e suas organizações, uma luta que, em maio de 1968, assumiu uma forma específica com da palavra de ordem de um comitê nacional de greve geral.[20]
A fórmula ambígua “frente única de classe dos trabalhadores e suas organizações” obscureceu o conflito irreconciliável entre a classe trabalhadora e as organizações stalinistas e reformistas. Um “comitê de greve geral”, como concebido pela OCI, teria sido dominado pelas várias burocracias sindicais e nunca teria conduzido uma “luta pelo poder”.
Durante a ascensão de Hitler ao poder na Alemanha, Trotsky defendeu a formação de uma frente única entre o Partido Social Democrata e o Partido Comunista. O que ele propôs foi uma aliança defensiva prática contra os nazistas, não uma mistura de bandeiras políticas. Quando, mais tarde, os stalinistas e os socialistas formaram uma frente única na França, Trotsky advertiu:
A frente única abre inúmeras possibilidades, mas nada mais. Em si mesma, a frente única não decide nada. Somente a luta das massas decidirá.[21]
O chamado por uma “Frente Única Operária” foi a palavra de ordem central da OCI no período que se seguiu. Em 1971, isso significou apoio incondicional à “Unidade da Esquerda”, a aliança de socialdemocratas e stalinistas liderada por François Mitterrand, que seria o principal instrumento do regime burguês na França nas três décadas seguintes.
Mitterrand foi um operador político sem escrúpulos, capaz de trabalhar tanto com a extrema direita quanto com a extrema esquerda. Ele começou sua carreira política em uma organização fascista que se opunha ao regime de Vichy pela direita. Em seguida, foi funcionário público do regime de Vichy e, por fim, estabeleceu seu próprio movimento de resistência em concorrência com o movimento liderado por De Gaulle e os stalinistas.
Na Quarta República, como político burguês, ele fez parte de 11 governos distintos. No auge da Guerra da Argélia, quando milhares de combatentes da resistência foram torturados e assassinados, ele foi ministro do Interior e da Justiça.
Sob a presidência de De Gaulle, Mitterrand se reinventou. Ele entendeu muito cedo que De Gaulle, uma figura anacrônica na casa dos setenta anos, não seria capaz de controlar uma classe trabalhadora que crescia rapidamente. Ele procurou uma maneira de integrar o Partido Comunista, que controlava a central sindical CGT e ainda era o partido mais influente da classe trabalhadora, ao governo.
Em 1965, Mitterrand concorreu à presidência contra De Gaulle como o candidato único da “esquerda” e recebeu 45% dos votos no segundo turno. Em 1971, ele assumiu a liderança do Partido Socialista, que havia sido formado um ano antes pela fusão do moribundo Partido Social Democrata com vários outros grupos. Em 1972, ele iniciou a Unidade da Esquerda, uma aliança com os stalinistas baseada em um programa comum de governo. Nove anos depois, em 1981, foi eleito Presidente da França, cargo que ocupou até 1995.
A OCI desempenhou um papel central na promoção da carreira de Mitterrand. Já em 1970, ele foi um dos principais oradores em um comício de massa organizado pela OCI no centenário da Comuna de Paris.
Em 1971, dezenas de membros da OCI foram integrados ao Partido Socialista para ajudar Mitterrand, embora continuassem a trabalhar sob a disciplina da OCI. Na verdade, eles foram convidados por Mitterrand a se filiarem ao Partido Socialista.
Charles Berg, que desde então fez uma carreira muito bem-sucedida como produtor de filmes sob o nome de Jacques Kirsner, recentemente testemunhou publicamente sobre o que aconteceu em 1971:
Alguns meses após o congresso de Epinay [onde Mitterrand sequestrou a liderança do PS], fui informado de que Mitterrand gostaria de ver o secretário nacional da AJS [organização de juventude da OCI]. Eu hesitei. Menciono o fato a Lambert, que me ordena a ir por julgar desnecessário discutir o assunto com o Bureau Político naquele momento. Naquela época, nosso relacionamento era excelente. Nós nos falávamos todos os dias.
Acabei no Lipp’s [um restaurante em Paris] com o primeiro-secretário do Partido Socialista [Mitterrand], todos os outros do lado de fora. ... Ele me parabeniza pelo progresso da AJS – o comício de 1º de fevereiro de 1970 obviamente o impressionou. Não podemos nos esquecer de que, naquela época, o PS, em termos de organização, não era grande coisa. E, em um determinado momento, ele me explicou que contra “os stalinistas de fora e os pequeno-burgueses de dentro” – ou seja, o CERES – ele não se importaria se alguns dos militantes da AJS se juntassem ao PS publicamente, “com a bandeira erguida”, criando uma tendência.
Digo a ele que esse estado de coisas não pode durar muito tempo. Ele concorda comigo. “Quando as diferenças se tornarem muito grandes”, diz ele, “vocês irão embora”. Eu acrescento: “Ou vocês nos expulsarão!” Ele ri e acena com a cabeça. Prometo uma resposta rápida.[22]
No final, a OCI não entrou no PS “com a bandeira erguida”, mas secretamente.
O mais famoso entre os que ingressaram no Partido Socialista foi Lionel Jospin, que se filiou à OCI em meados da década de 1960. Enquanto ainda era membro da OCI, ele foi um dos colaboradores mais próximos de Mitterrand. De 1997 a 2002, Jospin foi primeiro-ministro da França.
Outro membro da OCI, que se filiou ao Partido Socialista na década de 1970, foi Jean-Luc Mélenchon, o atual líder da França Insubmissa.
Além disso, a OCI controlava a principal organização estudantil francesa e a federação sindical Force Ouvrière (FO), ambas as quais desempenharam um papel importante na promoção de Mitterrand. Pierre Lambert se reunia toda a semana com o líder da FO, André Bergeron, e seu salário e o de muitos outros líderes da OCI eram pagos pela FO.
Em seu trabalho internacional, os dirigentes da OCI estavam cada vez mais desdenhosos em relação ao Comitê Internacional. Eles passaram a estabelecer sua própria operação internacional com base em negociações com centristas de todo o mundo.
Entre suas relações mais sem princípios estavam aquelas com o POR boliviano, liderado por Guillermo Lora. Ele havia apoiado Pablo em 1953 e tinha um longo histórico de colaboração com nacionalistas burgueses.
Em agosto de 1971, o exército boliviano deu um golpe que resultou na derrubada do regime militar de “esquerda” do General Torres e na destruição da Assembleia Popular. Tendo apoiado o governo Torres e esperando que o regime militar fornecesse armas à classe trabalhadora no caso de um golpe, Lora estava profundamente envolvido nesse desastre político.
Quando a Workers League, com o apoio da SLL, publicou uma crítica às políticas do POR de Lora, a OCI convocou uma reunião de sua fração internacional em Paris e emitiu uma declaração que denunciava a SLL e a Workers League por capitularem ao imperialismo ao atacarem publicamente o POR. Além disso, afirmou erroneamente que Lora era membro do CIQI.
Um mês antes do golpe na Bolívia, a OCI organizou um comício da juventude em Essen, na Alemanha, em uma base totalmente centrista. Ela convidou representantes do POUM espanhol, que desempenhou um papel importante na derrota do proletariado espanhol, dos americanos Espartaquistas, liderados por Robertson, e da Associação Nacional de Estudantes dos EUA, que havia recebido financiamento da CIA.
Quando a juventude da SLL, os Young Socialists, apresentou uma resolução ao comício que conclamava os jovens a se dedicarem à luta pelo desenvolvimento do materialismo dialético, a OCI votou publicamente contra.
O racha com a OCI
Em 24 de outubro de 1971, a maioria do CIQI, liderada pela SLL, rompeu publicamente com a OCI.
Não há dúvida de que sua caracterização da OCI como uma organização centrista era politicamente correta. Entretanto, ao contrário da luta com o Socialist Workers Party (EUA), o racha foi realizado sem uma ampla discussão dentro do CIQI ou entre seus quadros nas seções nacionais.
O racha aconteceu como um divórcio por consentimento mútuo. Ambos os lados romperam antes do início de qualquer discussão séria. Diferentemente de 1953 e dos anos posteriores, quando vários documentos foram redigidos e discutidos com todos os membros do CIQI, e em 1963, quando os companheiros americanos travaram uma luta paciente dentro do SWP por mais um ano, não houve nenhum esforço sério para resolver as questões políticas. A SLL não fez nenhuma tentativa sistemática de conquistar apoio na seção francesa, como o CIQI faria com sucesso na seção britânica durante o racha de 1985-86 com o WRP.
Em How the WRP betrayed Trotskyism, o CIQI explicou:
Nessas condições, o racha – considerado do ponto de vista da educação do quadro do Comitê Internacional e do esclarecimento das seções mais avançadas dos trabalhadores em todo o mundo – foi decididamente prematuro. Ele representou um recuo da Socialist Labour League em relação às responsabilidades internacionais que havia assumido em 1961, quando iniciou a luta contra a degeneração do Socialist Workers Party [dos EUA].[23]
A SLL afirmaria deposi que o racha ocorreu por causa da questão do materialismo dialético, e não por questões de programa e perspectiva. A Declaração do CIQI (Maioria), de 1º de março de 1972, insistiu:
O racha, na verdade, ocorreu sobre a questão do lugar da teoria marxista como fundamento do partido revolucionário.[24]
O Manifesto da Quarta Conferência do CIQI, de 14 de abril de 1972, declarou:
A ruptura se deu em relação à questão mais fundamental de todas. Isso estava na raiz da degeneração do pablismo – o método marxista.[25]
Essa foi uma falsa polêmica. Por mais necessária que fosse a crítica das raízes metodológicas do centrismo, a questão do materialismo dialético não esgotava nem substituía as questões políticas e programáticas fundamentais que ainda precisavam ser abordadas.
A ênfase unilateral na questão do método e da epistemologia tornou-se um meio de evitar uma discussão sobre questões políticas centrais num momento em que as diferenças dentro das bases da própria seção britânica estavam aumentando.
Mais tarde, o materialismo dialético deu lugar a uma interpretação idealista da dialética feita por Gerry Healy, que serviu de cobertura para a degeneração política da seção britânica. Mas esse é o assunto da décima palestra desta escola.
Entretanto, uma coisa deve ser enfatizada. Embora a SLL tenha declarado que a filosofia era a questão central do racha com a OCI, ela praticamente não deu atenção à ofensiva ideológica contra o marxismo, que teve seu centro na França e cresceu depois de 1968. Sartre, Althusser e Bernard-Henri Lévy, para não mencionar Foucault e muitos outros representantes do pós-modernismo, são hoje uma influência importante em todas as universidades do mundo.
Foi somente após o racha com o WRP que o CIQI – na polêmica contra Steiner e Brenner – abordou essas importantes questões.
As tendências centristas na SLL
Por que a SLL se afastou de suas responsabilidades internacionais e levou a cabo o rompimento com a OCI com uma pressa política que só poderia deixar um legado de confusão?
Como resultado de sua luta de princípios contra a reunificação pablista, a SLL estava obtendo ganhos impressionantes no Reino Unido durante a década de 1960. Em uma época em que os pablistas estavam se transformando em um grupo político de protesto pequeno-burguês e atuavam como líderes de torcida do stalinismo e do nacionalismo burguês, a SLL estava ampliando constantemente sua influência na classe trabalhadora e entre os jovens.
Em 1963, a SLL havia recrutado a maior parte da direção nacional da juventude do Partido Trabalhista, os Young Socialists, e seu jornal. Quando o Partido Trabalhista expulsou a direção dos Young Socialists, a SLL transformou-a em sua própria organização de juventude. Em 1964, Healy propôs o lançamento de um jornal trotskista diário e, em 1969, surgiu a primeira edição do Workers Press. A SLL estabeleceu sua presença nas fábricas e recrutou artistas de destaque.
Quando o CIQI – após o racha com a OCI – se reuniu para seu Quarto Congresso em abril de 1972, ele não só havia consolidado sua seção no Sri Lanka e a Workers League nos EUA, como também havia estabelecido novas seções na Alemanha e na Austrália. Mas, enquanto a SLL vivia o auge de seu sucesso organizacional, ela estava se movendo em uma perigosa direção centrista. Como explicou David North em sua biografia de Healy:
... a convicção que gradualmente tomou conta da direção da SLL foi que o crescimento material da seção britânica, em vez do fortalecimento de sua linha política internacional, era a pré-condição decisiva e a base essencial para o desenvolvimento do Comitê Internacional; e disso resultou uma concepção incorreta e cada vez mais nacionalista da relação entre a SLL e o Comitê Internacional da Quarta Internacional.[26]
Essa concepção foi formulada já em 1966 em Problemas da Quarta Internacional, escrito por Healy quatro meses após o Terceiro Congresso do CIQI, e que já foi citado no início da palestra.
Há outra passagem de Problemas da Quarta Internacional que expressa a crescente pressão para transferir a luta contra os pablistas para o eixo nacional do trabalho prático no Reino Unido. Healy apresentou uma interpretação nova e não marxista da traição do SWP.
Ele afirmou que a causa da capitulação do SWP ao pablismo “não está nas condições difíceis da guerra fria e no boom sob o qual o SWP tem operado nos Estados Unidos”, mas sim em suas origens não revolucionárias.
O gênio teórico de Trotsky decorreu de toda a experiência revolucionária da União Soviética, tanto em seu triunfo quanto em sua degeneração. A política de Cannon, por outro lado, derivou principalmente do período de degeneração soviética e da derrota da classe trabalhadora internacional fora da URSS.[27]
Essa foi uma concessão às tendências centristas que se opuseram à decisão de Trotsky de fundar a Quarta Internacional em 1938 pelo fato de que uma nova Internacional só poderia surgir como produto de uma revolução bem-sucedida. E foi uma concessão à Voix Ouvrière (VO), que se recusou a aderir à Quarta Internacional por causa de sua suposta composição social pequeno-burguesa. Ela denegriu o significado histórico da atividade teórica dos marxistas na elaboração e defesa do programa internacional da revolução socialista.
De um ponto de vista individual e psicológico, a reação de Healy foi compreensível. Ele percebeu a capitulação de Cannon, a quem admirava e com quem havia aprendido, como uma traição pessoal. Em Problemas da Quarta Internacional sua raiva pode ser sentida claramente.
E Healy possuía uma vontade inabalável de não se curvar à pressão pequeno-burguesa e de levar a classe trabalhadora à vitória. Ele era capaz de transmitir isso a um grande público. Aqueles de nós que o conheceram no início da década de 1970 se lembram claramente disso.
No entanto, como explicou David North, essa era uma concepção errada e perigosa, que levou o eixo político da SLL para uma direção nacionalista e centrista:
Ela reduziu o partido mundial à mera soma de suas seções nacionais e substituiu a colaboração dos marxistas em uma Internacional unificada pela emulação dos sucessos de um grupo nacional por outro... A ideia de que a Quarta Internacional se desenvolveria apenas como o subproduto da conquista do poder no Reino Unido era falsa. Por um lado, ela rejeitava a interação dialética entre a crise mundial do imperialismo, a luta de classes internacional e sua expressão específica no Reino Unido; por outro lado, negava que a organização de marxistas em qualquer país fosse possível apenas como parte do Partido Mundial da Revolução Socialista.[28]
Além disso,
Por mais importantes que tivessem sido os avanços da SLL dentro do movimento operário britânico, o futuro do Comitê Internacional e de sua seção britânica exigia o aprofundamento da luta internacional contra o oportunismo pablista e a assimilação de suas lições teóricas e políticas. A degeneração do SWP demonstrou que nem uma “orientação proletária” nem uma ruptura organizacional podem, por si só, acertar as contas com o revisionismo. A prevalência do oportunismo é um fenômeno histórico com raízes sociais profundas; e é por isso que a luta contra ele é um processo tão longo e difícil.[29]
A mudança da luta contra o pablismo para o trabalho prático nacional no Reino Unido minou os poderes de resistência da SLL às pressões pequeno-burguesas:
O problema do revisionismo pablista não havia sido nem poderia ter sido resolvido de forma conclusiva pelo racha com o SWP. A rejeição da reunificação não inoculou a SLL e o CIQI contra as pressões contínuas das forças de classe estrangeiras. Na medida em que as implicações e lições do racha de 1963 não foram continuamente estudadas e aprofundadas, a radicalização política da classe média em meados da década de 1960, embora tenha sido essencialmente uma antecipação do movimento revolucionário do proletariado internacional, teve um efeito profundo sobre a SLL e o CIQI.[30]
Os problemas da SLL se intensificaram quando surgiram posições de caráter claramente pablista em sua direção, que não foram esclarecidas politicamente para não prejudicar os sucessos organizacionais.
Michael Banda demonstrou uma paixão embaraçosa por Mao Tse Tung, Ho Chi Minh e até mesmo Abdel Nasser, que nunca foi sistematicamente contestada. Slaughter demonstrava simpatia pela posição da OCI de que a Quarta Internacional precisava ser “reconstruída” e negligenciava cada vez mais suas responsabilidades como secretário do CIQI. Mas Healy temia que um conflito aberto na direção da SLL colocasse em risco o sucesso do trabalho prático, e as diferenças foram varridas para debaixo do tapete. David North escreveu:
Quando se tratava de lidar com problemas organizacionais – ou seja, as formas mais superficiais nas quais as questões políticas mais profundas encontram sua expressão cotidiana casual – Healy não hesitava em lidar impiedosamente com aqueles que prejudicavam o trabalho prático do partido. Mas ele preferia evitar um confronto direto sobre questões de programa; e, de fato, as erupções vulcânicas de Healy muitas vezes serviam para desviar a atenção da origem dos problemas dentro da SLL.[31]
Healy estava cada vez mais convencido de que poderia suprimir ou neutralizar os problemas por meio do desenvolvimento do que ele chamava de “novas práticas”. O jornal diário era uma dessas práticas. Os membros mais antigos das seções alemãs (e de muitas outras) lembram-se com horror das marchas pela Europa. Passamos meses viajando pela Europa para fazer campanha por um programa que era essencialmente reformista.
Na época do racha com a OCI, a própria SLL estava indo em uma direção centrista. Essa é a razão pela qual ela não estava disposta a conduzir uma luta política sistemática e paciente como havia feito 10 anos antes.
Isso poderia ter sido corrigido. Mas as novas seções do CIQI eram muito jovens e inexperientes na época para desafiar abertamente os erros de Healy, que tinha enorme autoridade devido ao papel que tinha desempenhado na luta contra a reunificação pablista.
A Workers League nos EUA e a seção do Sri Lanka surgiram na luta contra a reunificação e a “Grande Traição” no Sri Lanka. Elas estavam profundamente enraizadas na luta contra o pablismo, o que lhes permitiu desempenhar o papel principal na luta contra o WRP de 1982 a 1986.
Para as seções alemã e australiana, fundadas em 1971 e 1972, a orientação centrista da SLL foi uma grande desvantagem. É claro que elas conheciam os principais documentos da luta contra o pablismo, mas essas lições não formaram a base para a formação sistemática dos militantes.
Isso só foi corrigido após o racha de 1985/86. Em The Heritage we Defend (A Herança que Defendemos), How the WRP Betrayed Trotskyism e outros escritos do CIQI, que foram traduzidos e estudados durante várias escolas de verão, tiveram um papel decisivo no rearmamento dos militantes.
A seção alemã surgiu de uma fração minoritária da IAK (Associação Internacional dos Trabalhadores) que havia sido formada pela OCI na Alemanha após 1963. A minoria estava em contato próximo com a SLL e Gerry Healy. Ela se opunha fortemente à subordinação da OCI à socialdemocracia. A OCI havia instruído a IAK em 1969 a entrar totalmente no SPD, alegando que esse partido burguês poderia ser forçado a formar um governo genuinamente operário. Essa avaliação não era compartilhada pela minoria. Mas a luta contra o pablismo desempenhou apenas um papel secundário no racha na Alemanha. Em vez disso, o racha foi apresentado como o resultado de um conflito sobre o materialismo dialético.
A SLL pagaria um preço alto por sua orientação cada vez mais centrista, o que acabou levando à sua destruição.
Seis anos após o racha com a OCI, ela manteve posições políticas não diferentes das dos pablistas: apoiou acriticamente e desenvolveu relações mercenárias com movimentos nacionalistas burgueses como a OLP, o regime de Gaddafi na Líbia e até mesmo os baathistas no Iraque. Adaptou-se a seções do Partido Trabalhista, do sindicato e da burocracia stalinista. E tratou o CIQI cada vez mais como um apêndice da seção britânica, usando-o para suas manobras sórdidas.
Um marco na degeneração centrista da SLL foi a fundação do Workers Revolutionary Party em 1973.
Em sua biografia de Healy, David North escreveu:
O movimento de massas que Healy havia previsto surgiu de fato após a eleição de Edward Heath em 1970 e a introdução de leis antissindicais pelo novo governo do Partido Conservador. Mas a resposta da Socialist Labour League foi condicionada pelos anos anteriores de retrocesso centrista: sua adaptação ao radicalismo pequeno-burguês da década de 1960 foi complementada por uma adaptação à militância espontânea do movimento contra Heath.
Em vez de lutar para conquistar as seções mais avançadas da classe trabalhadora para o partido com base em políticas socialistas revolucionárias, a SLL diluiu seu programa para acomodar a hostilidade elementar da classe trabalhadora ao governo Heath. E com base em um programa limitado a um apelo pela defesa dos “direitos básicos” e pela eleição de um novo governo trabalhista, Healy propôs “a prática de transformar a SLL em um partido revolucionário de massas”. ...
Embora não tenha sido dito, o conteúdo essencial dessa transformação foi a conversão da Socialist Labour League em uma organização centrista.[32]
O WRP foi fundado sem qualquer discussão no CIQI. O novo partido não se baseava em uma estratégia internacional para a revolução mundial, mas na tática de levar um governo trabalhista ao poder no Reino Unido. Muitos dos que se juntaram ao novo partido nem sabiam que estavam se juntando a uma organização internacional.
Como destacado em How the WRP betrayed Trotskyism:
Em seu conteúdo e concepção subjacentes, o programa sobre o qual o WRP foi fundado não tinha nada a ver com o trotskismo. Não havia uma única passagem que saísse dos limites do centrismo. Isso estava ligado à perspectiva essencialmente nacionalista sob a qual o WRP foi fundado.[33]
Poucos meses após a fundação do WRP, a demanda na qual o novo partido se baseava foi concretizada: uma greve de mineiros derrubou o governo Heath e os trabalhistas voltaram ao poder. Esse fato desencadeou uma crise no WRP. Os novos membros que haviam se filiado ao partido discordavam do fato de que o WRP agora se opunha aos trabalhistas e apresentava seus próprios candidatos para as eleições.
O fracasso do WRP em combater o conflito com a OCI em 1971 estava agora sendo recompensado. A OCI recrutou Alan Thornett, o líder do trabalho sindical do WRP, que gozava de prestígio internacional devido a uma campanha em sua defesa que o WRP havia realizado. Thornett formou uma fração que trabalhava pelas costas do partido. Sem que os membros do partido soubessem, a OCI redigiu os documentos da fração. Isso foi uma clara violação da disciplina do partido que justificou a expulsão imediata de Thornett.
Entretanto, como o CIQI apontou em How the WRP betrayed Trotskyism,
outra questão inteiramente diferente é se a liderança foi politicamente sábia ao agir para expulsar Thornett por motivos organizacionais antes de uma discussão exaustiva das diferenças políticas, independentemente de suas origens. ... Apesar de seus métodos sem princípios, Thornett representava uma grande base dentro do WRP – por cuja confusão política Healy e Banda eram responsáveis e a quem eles agora tinham de conquistar para o trotskismo genuíno. ...
A tendência de Thornett representava poderosos sentimentos socialdemocratas dentro da classe trabalhadora britânica – e um acordo organizacional com aqueles que articulavam essa tendência só poderia ter um efeito adverso no trabalho do partido dentro dos sindicatos.[34]
Na luta contra Thornett, o WRP perdeu grande parte de seus membros da classe trabalhadora. Isso teve como efeito colateral o fato de que os elementos pequeno-burgueses que o WRP havia recrutado entre cineastas, atores e jornalistas – pessoas como Vanessa e Corin Redgrave e Alex Mitchell, que tinham apenas uma compreensão muito superficial do marxismo – passaram a desempenhar um papel muito maior na direção do partido.
Quando o governo trabalhista de Wilson começou a atacar a classe trabalhadora, o WRP realizou uma guinada ultra esquerdista. Agora ele defendia a derrubada do governo trabalhista que havia feito campanha para eleger.
Isso levou a uma profunda crise política, organizacional e financeira, à qual a direção do WRP respondeu abandonando todas as pretensões de combater o pablismo. Ela se prostrou diante das mesmas forças que Pablo e Mandel e, mais tarde, Hansen e Lambert haviam abraçado: nacionalistas burgueses, reformistas e stalinistas.
As lições da degeneração centrista da SLL/WRP são de importância central para os dias de hoje. Para repetir a citação da biografia de Healy feita por David North:
Nem uma “orientação proletária” nem uma ruptura organizacional podem, por si só, acertar as contas com o revisionismo. A prevalência do oportunismo é um fenômeno histórico com raízes sociais profundas; e é por isso que a luta contra ele é um processo tão longo e difícil. ...
Isso requer, acima de tudo, um exame contínuo das formas teóricas e políticas por meio das quais a pressão das forças de classe alheias se manifesta dentro das fileiras do partido revolucionário. É somente com base nisso que a tendência recorrente das camadas dentro do partido marxista e de sua liderança de se adaptarem às agências pequeno-burguesas do imperialismo pode ser neutralizada. [35]
É claro que nossa tarefa é, parafraseando as teses de Marx sobre Feuerbach, mudar o mundo e não apenas interpretá-lo de várias maneiras. Mas, por prática revolucionária, queremos dizer uma prática teoricamente orientada, uma prática baseada em uma perspectiva política derivada de uma análise materialista da luta de classes, uma prática desenvolvida em uma polêmica contínua contra forças de classe hostis.
O papel de direção da SLL na luta internacional contra a reunificação pablista e a “Grande Traição” no Ceilão preparou o caminho para seus sucessos políticos e organizacionais na década de 1960. Ela destruiu esses sucessos e abandonou essa luta, concentrando-se em tarefas puramente nacionais e organizacionais.
Leia mais
- As origens do revisionismo pablista, o racha na Quarta Internacional e a fundação do Comitê Internacional
- A trajetória política de Pierre Lambert (1920-2008)
- 50 anos desde o golpe de Banzer na Bolívia
- 50 anos da fundação da Bund Sozialistischer Arbeiter, seção alemã do Comitê Internacional da Quarta Internacional
- Pela construção do Partido Socialista pela Igualdade (França)!
Healy, Gerry. Problems of the Fourth International, 1966.
Trotskyism vs Revisionism – Vol. 5, p.113. Disponível em: https://www.marxists.org/history/etol/document/fi/tvsr/Trotskyism-Versus-Revisionism-Volume-5.pdf
North, David. Gerry Healy and His Place in the History of the Fourth International.
Just, Stéphane. Defense du Trotskyisme - Vol. 1, 1965. Disponível em: https://www.marxists.org/francais/just/ddt1/ddt1.htm
Trotskyism vs Revisionism – Vol. 5, p.5. Disponível em: https://www.marxists.org/history/etol/document/fi/tvsr/Trotskyism-Versus-Revisionism-Volume-5.pdf
Ibid, p.5.
Ibid, p.77.
Ibid, p.94.
Ibid, p.91.
Ibid, p.95.
] North, David. Leon Trotsky and the Struggle for Marxism in the Twenty First Century. p.42.
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