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As questões políticas na luta em defesa da educação pública nos EUA

Publicado originalmente em 30 de agosto de 2024

Com o início do ano letivo de 2024-25 nos Estados Unidos, uma temporada de luta está se abrindo para professores, estudantes e funcionários de escolas.

Os educadores e todos os setores da classe trabalhadora enfrentam um ataque sem precedentes aos direitos sociais básicos, incluindo empregos, acesso à saúde e padrões de vida decentes. Os direitos democráticos, incluindo a liberdade de expressão e o direito de greve, estão sendo retirados da população. Ambos os partidos do capitalismo americano, os republicanos e os democratas, avançam em direção à ditadura em casa e à guerra global no exterior.

Essas são as questões essenciais que os educadores enfrentam na defesa da educação pública. Além disso, essas são as mesmas forças motrizes que estão levando os educadores à luta em todo o mundo.

A própria existência da educação pública está em risco, e os sinais disso são visíveis em toda a parte. As escolas estão sendo fechadas às dezenas em todo o território americano, e milhares de educadores e outros funcionários essenciais, como bibliotecários, orientadores escolares e psicólogos, estão perdendo seus empregos. Os que permanecem estão sobrevivendo com baixos salários, planos de saúde impagáveis e carga de trabalho cada vez maior.

Uma pesquisa do Pew Research Center confirmou essa realidade em nível nacional, com 70% dos professores relatando falta de funcionários, 98% dizendo que trabalham muito, 77% declarando que seu trabalho era “extremamente estressante” e mais da metade (52%) dizendo que não aconselharia os jovens a se tornarem professores.

A pobreza foi citada como o maior “grande problema” nas escolas, com o absenteísmo crônico e a ansiedade/depressão dos alunos logo atrás. Exatamente! O crescimento da pobreza nos Estados Unidos se traduz de um milhão de maneiras diferentes, incluindo o absenteísmo e as crises de saúde mental, em uma luta de Sísifo para os professores e funcionários de escolas.

Nem os democratas nem os republicanos têm a pretensão de afirmar que reverterão a degradação das escolas que vem ocorrendo há décadas. Para isso, é necessário lutar pela igualdade social e pelo socialismo.

Além disso, a destruição bipartidária da saúde pública continua colocando em risco a saúde de professores, alunos e seus familiares. O ano letivo está começando em meio a um enorme surto da pandemia de COVID-19, que já está forçando o fechamento de escolas. Duas semanas após o início do ano letivo, o coronavírus foi detectado no esgoto de dois terços (29 de 45) das escolas em Houston, no Texas.

Após quatro anos, praticamente nada foi feito para garantir que o ar interno limpo seja fornecido para interromper a transmissão por aersossol nas escolas dos Estados Unidos. Como a Dra. Amy Proal, uma das principais pesquisadoras em COVID longa, disse ao World Socialist Web Site,

Estamos contaminando as crianças, desde pequenas, com RNA viral em seus tecidos, com um vírus que as pessoas estão contraindo várias vezes por ano à medida que ele continua a sofrer mutações, e nós ... vemos que a reinfecção parece aumentar as chances de desenvolver sintomas crônicos. É absolutamente insustentável e uma crise completa.

Peyton Copeland, de 5 anos, hospitalizada com Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica (SIM-P) [Photo: Tara Copeland]

A redução do financiamento da educação pública e da saúde pública não acontecem porque faltam recursos em nossa sociedade. Pelo contrário, a riqueza da oligarquia financeira aumentou 88% desde 2020. Somente nos EUA, os 737 bilionários controlam US$ 5,53 trilhões.

A fonte de toda essa riqueza quase inimaginável é o trabalho da classe trabalhadora, mas não temos poder de decisão sobre sua distribuição. Trilhões de dólares da classe trabalhadora estão enchendo os bolsos de um punhado de oligarcas corporativos e sendo transferidos para uma máquina de guerra que promove seus interesses. Estamos vivendo em meio a uma bárbara redivisão do mundo entre bilionários globais.

A luta contra a guerra deve estar no centro da defesa da educação

A era de “guns and butter” [“armas e manteiga”, uma referência aos gastos em defesa e em direitos sociais, respectivamente] já acabou há muito tempo, e o orçamento militar cada vez maior para travar as guerras do imperialismo americano significa sacrificar escolas, hospitais e a própria democracia. O candidato à presidência dos EUA pelo Partido Socialista pela Igualdade, Joseph Kishore, caracterizou adequadamente essa política bipartidária, observando:

As alegações de Bernie Sanders, Ocasio-Cortez [membro dos Socialistas Democráticos da América (DSA)] e outros de que [Kamala] Harris implementará grandes reformas sociais são mentiras, e eles sabem que são mentiras. Tudo deve ser subordinado à agenda da classe dominante de guerra no exterior, de pilhagem global, o que exige uma escalada maciça da guerra contra a classe trabalhadora em casa.

A decisão de Biden-Harris de permitir que os fundos do Auxílio Emergencial para os Ensinos Fundamental e Médio (ESSER, na sigla em inglês), que são extremamente necessários, expirassem, colocou a educação em crise em quase todos os lugares.

Quanto a Trump e os republicanos, cuja posição foi publicada no manifesto fascista Projeto 2025, eles pretendem fechar o Departamento de Educação, acabar com o Título I [que trata das disposições gerais do Código de Leis dos Estados Unidos] e acelerar as privatizações de escolas em nível nacional. A prioridade deles, assim como a de Harris, é a competição brutal pela hegemonia global. Trump prometeu expandir o tamanho das forças armadas dos EUA e impor tarifas de 100% sobre os produtos chineses, uma medida que teria consequências devastadoras para os padrões de vida dos trabalhadores e intensificaria muito a ameaça de guerra entre os EUA e a China.

Como todas as concessões conquistadas por gerações anteriores de trabalhadores, a educação pública está sendo considerada “insustentável” por ambos os partidos da elite capitalista.

Não ao fascismo e à xenofobia! Pela defesa dos direitos democráticos para todos!

As escolas se tornaram um epicentro para a supressão dos direitos democráticos tanto por democratas quanto por republicanos. A classe dominante está tentando esmagar a crescente oposição nos campi universitários e nas escolas de educação básica tentando censurar livros, expurgar bibliotecas escolares e eliminar dos currículos quaisquer ideias que expressem rebelião ou até mesmo o pensamento crítico.

A oposição ao genocídio e à guerra está sendo criminalizada, como se viu nas prisões em massa, no ataque e na retaliação contra estudantes universitários que protestavam contra o genocídio em Gaza e na perseguição a educadores que saíram em sua defesa. Na cidade de Nova York, o maior distrito escolar dos Estados Unidos, o governo democrata do prefeito Eric Adams, com o apoio da mídia de direita, demitiu educadores pró-Palestina e emitiu diretrizes contra a atividade política dos educadores fora do horário de trabalho.

Milhares de pessoas participando de um protesto organizado pela Jewish Voice for Peace [Voz Judia pela Paz] em Nova York

Trump disse que, se voltar ao poder, agirá como um ditador desde o “primeiro dia” e que, se for reeleito, “você não precisará mais [votar]”. Ele colocou no centro de sua campanha eleitoral um ataque fascista aos imigrantes, que, segundo ele, estão “envenenando o sangue do nosso país”, uma frase fascista tirada diretamente do livro Minha Luta, de Hitler.

A ameaça da ditadura é real, mas acreditar que os democratas podem defender a democracia é um erro grave. Eles tiveram quatro anos para prender Trump e seus co-conspiradores pela tentativa de golpe de 6 de Janeiro. Em vez disso, eles fortaleceram seus “colegas republicanos” o tempo todo, atacando Trump pela direita em questões de guerra, imigração e nacionalismo americano. O colapso da democracia é uma questão global que surge da crise do capitalismo – sua expansão da guerra e o crescimento extremo da desigualdade social – como visto na ascensão da extrema direita em países como França, Itália, Alemanha e Brasil.

É necessária uma reorganização fundamental da vida social

A defesa dos direitos democráticos e sociais básicos não pode ser garantida sem um ataque frontal à riqueza e aos privilégios da oligarquia corporativa e financeira. Os direitos sociais básicos da população, essenciais à vida moderna, só podem ser alcançados por meio de uma reorganização fundamental do poder econômico e da redistribuição da riqueza nos Estados Unidos. A vasta riqueza criada pelo trabalho de gerações de trabalhadores deve ser retirada das mãos de poucos privilegiados e colocada à disposição da população como um todo. Isso significa lutar pelo socialismo.

A Federação Americana de Professores (AFT, na sigla em inglês) e a Associação Nacional de Educação (NEA, na sigla em inglês) se opõem a essa luta, assim como têm bloqueado a luta contra os cortes orçamentários e as demissões nos EUA há décadas e sacrificado uma geração de alunos e seus professores à política homicida de “COVID para sempre” ditada por Wall Street. Os dirigentes desses chamados “sindicatos” não mobilizam a classe trabalhadora para a luta, mas apenas para conseguir votos para os políticos do Partido Democrata dos grandes capitalistas, de modo que as cúpulas dos sindicatos (cuja renda anual é de mais de US$ 500.000) mantenham-se abastecidas com contribuições dos trabalhadores.

A natureza pró-capitalista e pró-guerra dessas organizações levou Biden a descrevê-las recentemente com sinceridade como sua “OTAN doméstica”. Na verdade, a presidente da AFT, Randi Weingarten, desempenhou um papel fundamental de propaganda ao dar apoio à guerra dos EUA-OTAN contra a Rússia, ao genocídio israelense apoiado pelos EUA contra os palestinos e à repressão policial contra os protestos contra o genocídio, demonstrando que não há linha que esses burocratas não cruzem para manter seu “lugar na mesa”.

Em direção a um novo caminho e perspectiva

As greves e lutas entre os educadores - que explodiram entre os trabalhadores universitários no ano passado - estão na ordem do dia. Os educadores estão prontos para lutar por seus alunos e escolas, mas não encontrarão respostas dos burocratas pró-capitalistas e pró-guerra da AFT e da NEA.

Isso é demonstrado pelas recentes reuniões de ambas as organizações. A convenção nacional da AFT nada mais foi do que um comício para a obtenção de votos, e a convenção da NEA foi abortada quando o sindicato bloqueou a entrada de seus próprios funcionários grevistas, desligando seus telefones e cancelando suas reservas, deixando-os presos na Filadélfia em represália. A ferocidade da resposta da cúpula da NEA à greve dos dirigentes de um inferior ao da burocracia é um aviso de como ela responderá a uma rebelião de seus membros. O abismo entre esse aparato abastado e a base nunca foi tão grande.

Com o início do ano letivo, as escolas públicas de Chicago são um campo de batalha crucial e politicamente revelador. Os professores foram orientados a voltar ao trabalho sem um contrato, porque estão negociando com um suposto “aliado”, o prefeito democrata Brandon Johnson, ex-dirigente do Sindicato dos Professores de Chicago (CTU, na sigla em inglês) que foi promovido pelos Socialistas Democráticos da América (DSA).

Brandon Johnson, prefeito de Chicago, e Biden [Photo: Twitter]

O CTU tem uma reputação totalmente injustificada de militância e é tido como modelo de “sindicalismo reformista” diante da crescente oposição vinda de baixo. No entanto, sua falsa liderança socialista, integrada pelos DSA, promoveu a ideia de demandas de “bem comum” enquanto conspirava com o Departamento de Educação de Chicago para impor centenas de milhões de dólares em cortes, vários fechamentos de escolas e a destruição contínua do sistema educacional de Chicago. Eles são parte integrante de todo o aparato da AFT e da NEA, que está concentrado na eleição de Harris-Walz, mantendo seus lucrativos “lugares na mesa” e, mais uma vez, culpando os professores.

Os educadores precisam de uma orientação política completamente diferente, totalmente independente da oligarquia, de seus dois partidos políticos e da burocracia sindical pró-capitalista.

Construir Comitês de Base para unir os educadores nos EUA e internacionalmente!

Fazemos um chamado aos educadores que deem o primeiro passo, unindo-se e expandindo a rede de Comitês de Base de Educadores nos EUA. Isso faz parte de uma estratégia para unir os educadores às lutas mais amplas da classe trabalhadora internacional em um programa comum contra a austeridade e a guerra.

Apresentamos as seguintes demandas:

  • Pelo financiamento pleno da educação pública, não da guerra! Os trilhões de dólares desperdiçados em guerras devem ser usados para custear a educação pública de alta qualidade e outras necessidades sociais. Isso inclui salários adequados e ajustes de custo de vida para todos os educadores, plano de saúde gratuito para educadores e alunos, merenda escolar gratuita universal e outros requisitos.
  • Não ao fechamento de escolas, às demissões ou à eliminação de programas! Manter as escolas abertas, reintegrar os milhares de educadores cujos empregos foram cortados nos últimos anos e manter abertos os programas extracurriculares e pós-escolares.
  • Funcionários efetivos de todas as áreas em todas as escolas! Todas as escolas devem ter os educadores necessários para oferecer turmas pequenas, com bibliotecários, enfermeiros, orientadores e apoio à educação especial.
  • Escolas limpas, seguras e livres da COVID-19! Todas as escolas devem ser reformadas para garantir ar limpo contínuo, inclusive com ventilação adequada, filtragem e outras medidas de mitigação, e os educadores devem ter o direito de fechar as escolas se elas se tornarem inseguras.
  • Pela defesa dos direitos democráticos! Nenhuma lei de censura, proibição de livros ou imposição de religião pelo Estado nas escolas. Estudantes e educadores têm o direito de protestar e se manifestar.
  • Não à militarização das escolas! Os militares não têm lugar nos campi, onde exploram os jovens vulneráveis da classe trabalhadora com a promessa de uma educação universitária. Não permitiremos que nossos alunos sejam bucha de canhão nas guerras do imperialismo americano!
  • Construir a Aliança Operária Internacional de Comitês de Base (AOI-CB)! Educadores e trabalhadores de todo o mundo estão entrando em luta e enfrentam as mesmas ameaças de austeridade, guerra e ditadura. Não podemos lutar contra essas questões separadamente em âmbito nacional, mas somente juntos em uma luta unificada. O Comitê de Base de Educadores (EUA) se solidariza e faz um chamado aos trabalhadores para construir a AOI-CB!

Educadores, pais e funcionários de escolas que concordam com nosso programa devem entrar em contato hoje mesmo para criar um comitê de base em sua escola.

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